*Por Breno Altman,
em artigo publicado na Folha de 14 de ontem.
O presidente do STF
em 1964, Álvaro Moutinho da Costa, foi à posse de Ranieri Mazzilli na noite do
golpe militar, quando o presidente João Goulart ainda se encontrava em
território nacional. A corte responsável pela guarda da Carta Magna fazia-se
avalista de sua ruptura.
Outra afronta
ocorrera quando o Tribunal Superior Eleitoral, em maio de 1947, cancelou o
registro do Partido Comunista. Aceitou alegação de que se tratava de
organização comandada por potência estrangeira, a União Soviética. O STF
indeferiu recurso e afiançou a degola. Deixou-se levar pela mesma intolerância
ideológica com a qual refutou habeas corpus contra a extradição de Olga Benário
Prestes, em 1936, para ser assassinada na Alemanha de Hitler.
Novamente
assistimos, no curso da ação penal 470, publicamente tratada como
"mensalão", poderosa tendência a um julgamento de exceção, em pleno
regime democrático.
Os monopólios da
comunicação exercem pressão para que a corte endosse sua versão e condene a
qualquer custo. Mais que preocupação eleitoral imediata, a batalha se trava
para legitimar a velha mídia, verdadeiro partido das elites, como senhora da
opinião pública, além de impor gravame ético ao PT e ao governo Lula.
Apesar da
resistência de alguns juízes, vem à baila comportamento que remonta a práticas
inquisitoriais. Jurisprudências estão sendo alteradas por novas interpretações.
Magistrados que absolveram o ex-presidente Fernando Collor da denúncia de
corrupção passiva, inexistindo ato de ofício, agora apregoam que essa já não é
exigência seminal.
Fala-se abertamente
em "flexibilização de provas", eufemismo para que condenações possam
ser emitidas a despeito da materialidade dos fatos, ampliando de forma quase
ilimitada a subjetividade de opinião dos que têm o dever de julgar.
Também apela-se à
tese de "domínio funcional do fato". Por esse conceito, pode-se
condenar sem provas cabais de autoria, bastando que o cargo do réu, mais
evidências latu sensu, corrobore ilação de responsabilidade, na prática
eliminando a presunção de inocência.
Essa novidade
suscita curiosa comparação. Nos idos de 1933, em Berlim, foi incendiada a sede
do parlamento alemão, o Reichstag. Os nazistas, no poder, prontamente acusaram
os comunistas. A polícia prendeu o holandês Marinus Van Der Lubbe e três
búlgaros pertencentes aos quadros da Internacional Comunista. Entre eles,
Georgi Dimitrov, um dos dirigentes máximos da organização.
Os réus foram
julgados por uma das câmaras criminais da Suprema Corte, localizada em Leipzig
e presidida pelo juiz Wilhelm Bürger. Apenas Van Der Lubbe acabou condenado, à
pena de morte.
Apesar de estar
convencido de que se tratava de conspiração comunista e da função de Dimitrov,
o magistrado considerou que não havia prova contundente que o ligasse, ou a
qualquer de seus companheiros, salvo o holandês, à execução do delito concreto.
O processo de
Leipzig, embora outras as circunstâncias, impôs fronteira doutrinária para os
direitos constitucionais. O STF, ao decidir sobre a ação penal 470, escolherá o
lado no qual deseja escrever esse capítulo de sua conturbada história.
*Breno
Altman, 50, é jornalista e diretor editorial do site "Opera Mundi" e
da revista "Samuel"
NOTA DO REDATOR – Ao que parece, o STF está se submetendo
à vexatória decisão de apenas a referendar julgamento da grande imprensa, que
já condenou, sentenciou e execrou os envolvidos sem direito à ampla defesa e
com revés oposicionista da direita reacionária. Posição que não côngrua com uma
Corte Suprema séria. É por isso que a imensa maioria da população não leva a Justiça
brasileira a sério.
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