Os jornais contam a trajetória de José Dirceu sempre a partir de 2004,
como se ele tivesse nascido com o mensalão. Seu passado de luta é esquecido.
Fidel Castro estava fascinado pela beleza e graça das irmãs Nabuco – Nininha
e Vivi – filhas dos anfitriões dona Maria do Carmo e José Nabuco, que abriram
as portas da mansão da Rua Icatu, no Rio de Janeiro, para recepcionar o líder
da vitoriosa Revolução Cubana.
Ele viera para agradecer ao embaixador brasileiro em Cuba que, durante
os duros tempos de luta contra o ditador Batista, deu apoio aos guerrilheiros
do exército fidelista.
Intelectuais e políticos de todas as tendências se misturavam nos
salões. Todos procuravam Fidel para tirar um papo, mas o comandante só tinha
olhos para Nininha e Vivi.
O pessoal da esquerda, quando conseguia um pouco de atenção,
aproveitava para falar mal de Carlos Lacerda, governador da Guanabara.
Cansado e irritado, meio em tom de ‘broma’, de ouvir as queixas contra
Lacerda, Fidel, querendo se ver livre, mandou: “¿Lacerda es un hombre como
nosotros? ¿Tiene brazos, piernas? ¿Camina por la calle?”
“Si, si”, disse um dos ‘reclamões’. “¿Entonces por qué no lo matan?”,
disse Fidel, encerrando o papo.
O episódio não me sai da cabeça quando leio, quase todo dia, notícias
sobre José Dirceu nos jornais.
O tom é sempre de acusação, tratando de atos e práticas ilegais como
se ele, na sua trajetória de animal político militante corajoso, só tivesse
contabilizado ações negativas.
Sua trajetória é sempre contada a partir de 2004, como se tivesse
nascido com o ‘mensalão’. Não se fala na sua trajetória de líder estudantil que
se entregou de corpo e alma à luta contra a ditadura militar. Prisão, exílio,
retorno ilegal ao Brasil, clandestinidade – Dirceu jogou sempre toda sua
energia pela democracia.
Anistiado, se filiou ao PT, coerente com sua visão de mundo. Sua
disciplina, sua vocação de estrategista, sua capacidade de trabalho e seu
talento de transformar teoria em ação o elevaram a líder do PT. Afirmou-se
assumindo sem medo a tarefa de acomodar no partido as diversas tendências,
desde as mais radicais de esquerda às quase conservadoras, consolidando o
primeiro partido de massa do Brasil.
Dirceu, apesar de sua formação de classe média e conhecimento
acadêmico, teve a capacidade e humildade de entender o papel reservado a Lula.
Reconhecendo a sua inegável qualidade de líder de massa, soube estruturar com o
PT e a sua militância a grande revolução pacífica e democrática acontecida em toda
a história republicana do Brasil.
Nos primeiros dois anos, a desconfiança das classes dominantes em
relação ao governo Lula era enorme, como confidenciou-me um parrudo banqueiro: “Não
sabíamos qual seria o exato momento que o Governo Lula viraria a mesa”.
Não se pensava noutra coisa a não ser evitar que Dirceu tivesse tempo
e espaço para isso. Num desses almoços de entidades empresariais, ouvi o
seguinte: “Zé Dirceu é a cabeça pensante, Lula é o líder mobilizador do
sentimento popular. Vamos cortar a cabeça que o corpo cai”.
Os oito anos de Lula serviram para destruir o mito de virada de mesa.
O que o Lula virou mesmo foi o jogo do poder, priorizando políticas para as
áreas social e econômica, o que resultou no Brasil de hoje, cada vez mais
sólido internamente e respeitado internacionalmente.
O Governo Lula mostrou também que José Dirceu não é uma cabeça sem
corpo e que nem Lula é um corpo sem cabeça. Eles são carne e osso, são “hombres
como nosotros y caminan por las calles! ¿Entonces por qué no los matan?”
Luiz Carlos Barreto, 84, é produtor cinematográfico. Produziu, entre
outros, "Lula, o Filho do Brasil", "Dona Flor e seus Dois
Maridos", "O que é Isso, Companheiro?", "O Quatrilho"
e "Bye, Bye, Brasil".
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