quinta-feira, 14 de junho de 2012

“¿POR QUÉ NO LOS MATAN?”

*Por Luiz Carlos Barreto, via Folha de São Paulo, edição 12 de junho de 2012.

Os jornais contam a trajetória de José Dirceu sempre a partir de 2004, como se ele tivesse nascido com o mensalão. Seu passado de luta é esquecido.
Fidel Castro estava fascinado pela beleza e graça das irmãs Nabuco – Nininha e Vivi – filhas dos anfitriões dona Maria do Carmo e José Nabuco, que abriram as portas da mansão da Rua Icatu, no Rio de Janeiro, para recepcionar o líder da vitoriosa Revolução Cubana.
Ele viera para agradecer ao embaixador brasileiro em Cuba que, durante os duros tempos de luta contra o ditador Batista, deu apoio aos guerrilheiros do exército fidelista.
Intelectuais e políticos de todas as tendências se misturavam nos salões. Todos procuravam Fidel para tirar um papo, mas o comandante só tinha olhos para Nininha e Vivi.
O pessoal da esquerda, quando conseguia um pouco de atenção, aproveitava para falar mal de Carlos Lacerda, governador da Guanabara.
Cansado e irritado, meio em tom de ‘broma’, de ouvir as queixas contra Lacerda, Fidel, querendo se ver livre, mandou: “¿Lacerda es un hombre como nosotros? ¿Tiene brazos, piernas? ¿Camina por la calle?”
“Si, si”, disse um dos ‘reclamões’. “¿Entonces por qué no lo matan?”, disse Fidel, encerrando o papo.
O episódio não me sai da cabeça quando leio, quase todo dia, notícias sobre José Dirceu nos jornais.
O tom é sempre de acusação, tratando de atos e práticas ilegais como se ele, na sua trajetória de animal político militante corajoso, só tivesse contabilizado ações negativas.
Sua trajetória é sempre contada a partir de 2004, como se tivesse nascido com o ‘mensalão’. Não se fala na sua trajetória de líder estudantil que se entregou de corpo e alma à luta contra a ditadura militar. Prisão, exílio, retorno ilegal ao Brasil, clandestinidade – Dirceu jogou sempre toda sua energia pela democracia.
Anistiado, se filiou ao PT, coerente com sua visão de mundo. Sua disciplina, sua vocação de estrategista, sua capacidade de trabalho e seu talento de transformar teoria em ação o elevaram a líder do PT. Afirmou-se assumindo sem medo a tarefa de acomodar no partido as diversas tendências, desde as mais radicais de esquerda às quase conservadoras, consolidando o primeiro partido de massa do Brasil.
Dirceu, apesar de sua formação de classe média e conhecimento acadêmico, teve a capacidade e humildade de entender o papel reservado a Lula. Reconhecendo a sua inegável qualidade de líder de massa, soube estruturar com o PT e a sua militância a grande revolução pacífica e democrática acontecida em toda a história republicana do Brasil.
Nos primeiros dois anos, a desconfiança das classes dominantes em relação ao governo Lula era enorme, como confidenciou-me um parrudo banqueiro: “Não sabíamos qual seria o exato momento que o Governo Lula viraria a mesa”.
Não se pensava noutra coisa a não ser evitar que Dirceu tivesse tempo e espaço para isso. Num desses almoços de entidades empresariais, ouvi o seguinte: “Zé Dirceu é a cabeça pensante, Lula é o líder mobilizador do sentimento popular. Vamos cortar a cabeça que o corpo cai”.
Os oito anos de Lula serviram para destruir o mito de virada de mesa. O que o Lula virou mesmo foi o jogo do poder, priorizando políticas para as áreas social e econômica, o que resultou no Brasil de hoje, cada vez mais sólido internamente e respeitado internacionalmente.
O Governo Lula mostrou também que José Dirceu não é uma cabeça sem corpo e que nem Lula é um corpo sem cabeça. Eles são carne e osso, são “hombres como nosotros y caminan por las calles! ¿Entonces por qué no los matan?”

Luiz Carlos Barreto, 84, é produtor cinematográfico. Produziu, entre outros, "Lula, o Filho do Brasil", "Dona Flor e seus Dois Maridos", "O que é Isso, Companheiro?", "O Quatrilho" e "Bye, Bye, Brasil".


Nenhum comentário:

Postar um comentário